Muitas vezes, em nossa missão de ensinar, nos preocupamos com o excesso de conteúdos programáticos e deixamos de lado a oportunidade de conversar e conhecer nossos alunos... Hoje li uma história interessante do grande mestre Celso Antunes, intitulado ‘O Luizinho da Segunda Fila’. Celso Antunes é educador brasileiro, formado em geografia pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em ciências humanas e especialista em inteligência e cognição. Membro consultor da Associação Internacional pelos Direitos da Criança Brincar, reconhecido pela UNESCO. É autor de mais de cento e oitenta livros e consultor de diversas revistas. Segundo ele: ‘O cérebro de uma pessoa, de qualquer pessoa, contém todo potencial de percepções, belezas e arranjos lingüísticos, simbólicos, cinestésicos, pictóricos e lógicos que abrigam todo saber humano possível. Todo ser humano é saber em semente, pronto para brotar e florescer tão logo aprenda a construir-se em comunhão com o objetivo imprescindível de todas as fantasias previsíveis – o mundo em que vivemos. ’ (Celso Antunes)
Mas vamos à história de Luizinho... rsrsrsrsrs
O Luizinho da segunda fila
Marcelo é um excelente professor de Geografia. Na aula sobre o Pantanal até excedeu-se. Falou com entusiasmo, relatou com detalhes, descreveu com precisão. Preencheu a lousa com critério, soube fazer com que os alunos descobrissem na interpretação do texto do livro a magia dessa região quase selvagem. Exibiu um vídeo, congelou cenas e enriqueceu-as com detalhes, com fatos experimentados, acontecimentos do dia-a-dia de cada um.
Em sua prova, é evidente, não deu outra: uma redação sobre o tema e questões operatórias que envolviam o Pantanal, seus rios, suas aves, sua vegetação... a planície imensa. Os alunos acharam fácil. Apanharam suas folhas e começaram a trazer, palavra por palavra, suas imagens para o papel. As canetas corriam soltas e as linhas transformavam-se em parágrafos. Marcelo sabia o quanto teria que corrigir, mas vibrava...Sentia que os alunos aprendiam. Descobria o interesse que sua ciência despertava. Não pôde conter uma emoção diferente quando Heleninha, sua aluna predileta, foi até sua mesa e arfante solicitou:
-Posso pegar mais uma folha em branco?
O único ponto de discórdia, o único sentimento opaco que aborrecia Marcelo, era o Luizinho, aquele da segunda fila. – Puxa vida! – pensava – Luizinho assistira todas as suas aulas, arregalara os olhos com as explicações e agora, na prova, silêncio absoluto, imobilidade total... nem sequer uma linha. Sentiu ímpetos de esganar. Luizinho pagaria seu preço, iria certamente para a recuperação. Se duvidassem poderia, até mesmo, leva-lo à retenção. Seria até possível arrancar um ano inteirinho de sua vida...
Minutos depois, avisou que o tempo estava terminado. Que entregassem suas folhas. Viu então que, rapidamente, Luisinho desenhou, na primeira página das folhas da prova, o Pantanal. Rico, minucioso, preciso. Marcelo emocionou-se, ao ver aquele quadro, de irretocável perfeição, nas mãos de Luizinho que coloria as últimas sobras. Entusiasmado indagou:
-E aí, Luis? Você já esteve no Pantanal?
Não. Luizinho jamais saíra de sua cidade. Construiu sua imagem a partir das aulas ouvidas. Marcelo sentiu-se um gigante e, de repente, descobriu-se o próprio Piaget. Havia com suas palavras construído uma imagem completa, correta e absoluta na mente de seu aluno.
Mas, deu zero pela redação. É claro. Naquela escola não era permitido que se rabiscassem as folhas da prova.
A história de Luizinho repete-se em muitas escolas.
Sua Inteligência pictórica é imensa, colossal, lúcida, clara e contrasta visivelmente com as limitações de sua competência verbal. Expressou o que sabia, da maneira como conseguia. Mas, não são todos os professores que se encontram treinados para ouvir linguagens diferentes da que a escola instituiu como única e universal.
(Trecho do Livro Marinheiros e Professores, 6a ed., Petrópolis, Vozes, 2000, p. 72-73, Celso Antunes)
Essa história fez-me lembrar o psicólogo Howard Gardner. Estudioso do campo da psicologia cognitiva educacional e conhecido em especial pela sua Teoria das Inteligências Múltiplas. Atualmente ele é professor de Cognição e Educação na Universidade de Harvard e professor adjunto de neurologia na Universidade de Boston. Depois de muitos anos de pesquisas com a inteligência humana, Gardner concluiu que, o cérebro do homem possui alguns tipos de inteligência. Porém, a maioria das pessoas possui uma ou duas inteligências desenvolvidas. Isto explica porque um indivíduo é muito bom com cálculos matemáticos, porém não tem muita habilidade com expressão artística. De acordo com Gardner, são raríssimos os casos em que uma pessoa possui diversas inteligências desenvolvidas. Ele ainda afirma que estas inteligências apresentam-se de duas formas. Algumas pessoas já nascem com determinadas inteligências, ou seja, agenética contribui. Porém, as experiências vividas também contribuem para o desenvolvimento de determinadas inteligências.
Os estímulos e o ambiente social são importantes no desenvolvimento de determinadas inteligências. Se uma pessoa, por exemplo, nasce com uma inteligência musical, porém as condições ambientais (escola, família, região onde mora) não oferecem estímulos para o desenvolvimento das capacidades musicais, dificilmente este indivíduo será um músico.
Segundo Gardner as Inteligências Múltiplas são:
Inteligência Lingüística - Refere-se ao domínio da expressão com o uso da linguagem verbal e da oralidade de um modo geral. É o manejo da palavra e da verbalização do pensamento. É a capacidade de expressão e compreensão da língua escrita e verbal. Manifesta-se na sensibilidade do entendimento da ordem e do significado das palavras, capacidade de convencer alguém sobre um fato, de explicar, ensinar e aprender, estimular o senso de humor, a memória e a lembrança, transmitir informações ou simplesmente agradar. Se expressa de modo característico em pessoas que gostam de escrever, ler, ouvir, contar histórias e piadas; pessoas que possuem boa memória para nomes, lugares, datas e histórias; pessoas que lidam criativamente com as palavras, língua corrente e linguagem de uma maneira geral. É especialmente desenvolvida em poetas, jornalistas, oradores, pregadores, vendedores, escritores.
Inteligência Espacial - Refere-se ao sentido de movimento, de localização, senso de profundidade e de direção. Inteligência na qual, em muitas vezes, se produz um efeito que é exigido para a realização de tarefas pertinentes ao trato simultâneo tridimensionais, dimensões, ângulos e perspectivas diferentes. Está relacionada com a capacidade de visualizar, moldar, manipular e criar imagens mentais. Esta inteligência é característica especialmente desenvolvida em pessoas com atividades ligadas a artes visuais (pintura, desenho e escultura), navegação, criação de mapas, em jogadores como xadrezes (que exigem a habilidade de visualizar objetos a partir de diferentes perspectivas), tais como: arquitetos, escultores, artistas gráficos, cartógrafos, pintores, designers, cirurgiões plásticos.
Inteligência Lógico-matemática - Refere-se a competência em desenvolver raciocínio lógico, dedutivo, indutivo e de compreensão de modelos matemáticos; lidar com números ou outros objetos matemáticos, envolvendo cálculos e transformações; capacidade de manejar habilmente longas cadeias de raciocínio; de trabalhar com símbolos abstratos (números e figuras geométricas). Trata-se da habilidade em lidar com conceitos científicos. É dotado de um senso dedutivo e lógico muito firme e bastante apurado. Esta inteligência é característica especialmente desenvolvida em pessoas que gostam de matemática e de usar computadores, de jogar xadrez, damas, jogos de estratégia e quebra-cabeças. Normalmente são matemáticos, filósofos, contadores, escritores, banqueiros, administradores.
Inteligência Musical - É dotado em indivíduos que possuem o domínio da expressão com os sons; que possuem a habilidade de reconhecer padrões sonoros, tons, ritmos. Incluem sensibilidade a sons ambientais, vozes humanas e instrumentos musicais. Seu perfil indica o reconhecimento da estrutura musical, de esquemas para ouvir música, sensibilidade para sons, criação de melodias, percepção das qualidades dos tons e habilidade para tocar instrumentos. Esta habilidade de compreensão melódica e rítmica de sons musicais é desenvolvida em músicos, cantores, compositores, maestros.
Inteligência Corporal-cinestésica - Refere-se ao domínio dos movimentos do corpo; a qualquer habilidade físico-motora na forma de uma linguagem corporal. Manifesta-se tipicamente no atleta, no artista, que seguramente não elaboram cadeias de raciocínios para realizar seus movimentos, e na maior parte das vezes, não conseguem explicá-los verbalmente. Os exercícios e os treinamentos conseguem desenvolver tal competência, embora os limites alcançados difiram significativamente em diferentes indivíduos. É relacionado com o movimento físico, o conhecimento do corpo e como ele funciona. Inclui a habilidade de usar o corpo para expressar emoções, para jogar, para interpretar e usar linguagem corporal. São pessoas que aprendem através do movimento; aprendem melhor através do contato; movimentam-se constantemente; gostam de esportes; gostam de tocar ou de serem tocados quando conversam com as pessoas; gostam de artes e trabalhos manuais, assim com atores, atletas, dançarinos profissionais, cirurgiões, mímicos.
Inteligência Intrapessoal - Refere-se à capacidade de autocompreensão, de automotivação, auto-estima, conhecimento e estar bem consigo mesmo. É basicamente a habilidade de administrar os próprios humores, sentimentos, emoções e projetos a seu favor. É capaz de fazer com que as situações e os problemas cotidianos sempre acabem tomando novos contornos, quando se põe a analisá-los com sua ótica particular e seu reconhecimento das situações correlatas. Inclui metacognição (pensar sobre o pensar), respostas emocionais, auto-reflexão e consciência de conceitos metafísicos. Assim, a inteligência intrapessoal diz mais respeito à capacidade de autocontrole e estabilidade emocional do indivíduo frente às dificuldades encontradas em qualquer ambiente.
Desenvolvem, exploram e fazem explorar estas habilidades filósofos, psiquiatras, aconselhadores, pesquisadores.
Inteligência Interpessoal - É a capacidade de se relacionar com o outro, de entender as reações, criar empatia e carisma, perceber humores, motivações, em captar intenções usadas nos relacionamentos pessoa-a-pessoa. É uma das inteligências que funciona quase que como uma marca registrada, em função da facilidade em estabelecer contato com os outros e de compreender de antemão as suas expectativas, seus medos e anseios, conseguindo analisar questões de diferentes pontos de vista. Pessoas dotadas desta inteligência são capazes de compreender as outras pessoas, entender o que as motiva e como trabalham. Possibilita ainda inferir o estado de ânimo, temperamento e nas intenções do outro. Destacam-se líderes, políticos, professores, terapeutas, aconselhadores, comunicadores, religiosos e é fundamental nos pais. Apesar de não serem abordadas por Gardner, hoje podemos ir além desses modelos. Já se ouve falar em modelos que estão surgindo como padrões comportamentais mais modernos e ainda não explorados ou comprovados. Podemos identificar então:
Inteligência Naturalista - Ou a sensibilidade para aprender com os processos da natureza, que chega a ser quase como um princípio de vida, em alguns indivíduos, que descobrem sempre uma forma de atuar sutil e eficazmente, seguindo leis naturais que às vezes parecem um tanto distantes da compreensão ou da mensuração pelos demais. São pessoas que tem o dom de relacionar-se bem com a natureza, sente-se confortável no mundo dos organismos e podem ter o talento de cuidar de várias criaturas vivas, domá-las ou com elas interagir, tais como biólogos, botânicos, pescadores, agricultores, jardineiros.
Inteligência Existencial / Espiritualista - Ou a inteligência voltada para questionamentos filosóficos e religiosos, que é sem dúvida um dos elementos mais presentes e atuais. São pessoas que tem o potencial de situar-se em relação a elementos da condição humana como os significados da vida, o sentido da morte, o destino final dos mundos físico e psicológico. Entre estas pessoas se destacam místicos, líderes religiosos, pessoas que meditam.
Inteligência Pictográfica - Observada em pessoas que conseguem se expressar pela pintura, desenho, escultura ou imagens gráficas. Desenvolvido em pessoas especiais, que possuem alguma deficiência, tais como deficiência mental, deficiência de coordenação motora.
Inteligência Emocional - Está relacionada à capacidade de conter os impulsos, ter controle das próprias emoções (inteligência intrapessoal) e saber se relacionar bem com as outras pessoas (inteligência interpessoal). Em suma, trata-se da união das inteligências intrapessoais e interpessoais.
Queridos, não permitamos, literalmente, destruir o poder criador que há, em cada aluno-semente que, passa em nossas poderosas mãos de professores. Saibamos entender a imperfeição de nossos educandos, estimulando sempre o que eles tem de melhor. Que sempre nos seja dado o poder de percebermos a profissão fantástica que temos. Quantos conflitos, quanta insegurança, quantos medos, quanta falta de carinho, de amor, de afeto... quantos sonhos estão presentes em nossas salas de aula e muitos de nós ainda, preocupados com metodologias, técnicas, conceitos, fórmulas???
Como diz o amigo Rui Pamela: ‘Pausa para reflexão’
Vale a reflexão... Paz Sempre...
Perfeito Je!
ResponderExcluirPrá começo de conversa, eu sempre detestei a palavra AVALIAÇÃO! Mas como somos 'obrigados' a fazer 'prova escrita', sempre aceitei desenhos, inclusive um ex aluno , tipo Luisinho, só fazia desenhos. Chamei os pais e falei do quanto ele gostava disso, e o que achavam de colocá-lo num curso de artes, ou designer. Dito e feito.
Atualmente ele é designer de uma firma daqui . Encontrei-o e ele me agradeceu pelo que eu fiz (que não foi nada) e disse que nunca esqueceu. Detalhe: nas outras disciplinas sempre teve notas baixas.
Je, que beleza essa postagem. Que bom que todos os professores seguissem o que colocaste .
Mas sei que tu segues, minha fofa!!!!!!!!!!!
Bjão no ♥
Muito boa essa história da qual se dá bom exemplo do desafio de se ser professor que esse não soube ser ao dar zero pela forma como o aluno Luizinho expressou sua ideia numa linguagem simples e inteligente que dispensariam tantas palavras numa redacção que ele foi desafiado a fazer e desenhou apenas aquilo que imaginou de sua ideia de um lugar onde nunca estivera e por isso não poderia falar dele. Burro foi o professor que não o soube compreender...
ResponderExcluirIsso faz-me lembrar uma historia de alguém que estava sendo avaliado pelo Director de Serviços do local onde trabalhava e este julgava o funcionário acusando-o de não ser assíduo como os outros, embora fosse competente e cumpridor de seus deveres. Mas para a Instituição eram melhores aqueles que entravam ás horas certas, cumprindo escrupulosamente horários, mesmo que durante o dia não desenvolvessem tanto trabalho como o funcionário que estava sendo avaliado por entrar 5 ou 10 minutos mais tarde do que os outros.
Nos dois exemplos acima indicados, se verifica que os homens servem mais as Insituições do poder em vez de serem justos e humanos para os que são diferentes, livres e inteligentes, tendo outra maneira de ser e viver.
Rui Palmela
olá!!
ResponderExcluirmuito lindo essa sua postagem..
precisamos realmente de uma mudança na maneira que vemos a nós mesmos, como encaramos a vida, as pessoas, as diferentes personalidades e talentos, e assim mudarmos o que temos compreendido por educação. sem dúvida o professor desempenha um papel fundamental em qualquer sociedade. precisamos aprender a valorizar e enxergar no outro como em nós mesmos os variados encaixes do quebra-cabeça.
obrigado, achei muito bonito.
Perfeito!!!
ResponderExcluirSou educadora há 17 anos.... e sempre acreditei na capacidade e habilidades de cada um...cada ser.... eu já havia lido essa beleza de texto....quantos "Luisinhos" temos.... e quantos professores não conseguem ainda "TER UM OLHAR DIFERENCIADO".... um olhar de amor....do possível...do acreditar.... do não desistir nem de si e nem do seu aluno.
Gostaria muito de saber o nome da música maravilhosa que está no vídeo.
Grata e muita luz.
Abraços
Professora Dilene C.D.Rezende
Olá profª Dilene... seja bem vinda por aqui. Esse espaço é todo seu.
ResponderExcluirQue bom que gostou, fico imensamente feliz, viu? Acredito na educação da emoção... das competências e habilidades. São esses 'Luisinhos' que recebemos todos os dias que farão-nos toda a diferença na construção desse mundo.
Volte sempre, bjOo grande.
E a propósito, a música é do Cirque Du Soleil, do espetáculo 'Saltimbanco'. O nome da música é: "Kumbalawe"
Grata pela visita, linda vida sempre...
Su e Rui... vcs são meus mestres maiores...
ResponderExcluirGratidão pelo carinho de vcs sempre...
Sueli, que linda história de teu aluno. Parabéns: semelhante atrai semelhante. Não é isso? rsrsrs
Rui, eu acredito na educação da emoção sempreeeeeee...
BjOo amados, esse espaço é sempre de vcs.
<3
Oi Jonnas...
ResponderExcluirPerfeito teu comentário... precisamos mudar, precisamos agir.
Não adianta mais ficar colocando a culpa em um e outro. Assumamos nosso papel de educadores comprometidos e sejamos a mudança.
Fico imensamente feliz que tenha gostado.
Volte Sempre.
Abraços