Imagem retirada do site: http://www.flickr.com/photos/chiaralily/galleries/72157623399109863/#photo_4609222412
Queridos, hoje pela manhã, enquanto ministrava aula para ‘meu’ 4º ano, lembrei-me desse um texto deslumbrante de Max Gehringer que conheci há uns 10 anos atrás. Como tenho uma cópia impressa dele, ‘corri’ para lê-lo e um sorriso brotou-me na face. Esse texto é muito interessante e intrigante. Tanto que, resolvi compartilhar aqui no blog...
Vou abster-me de comentários, pois o texto fala por si! Espero que apreciem...
Quero o meu saco de volta!
Por que a escola nos azucrina, ensinando coisas que jamais usaremos?
(Max Gehringer)
Como a maioria dos leitores desta coluna, eu também fui um dia arrancado da frente da TV e confinado, apesar de protestar inocência, em uma organização correcional chamada "escola". Essa foi a maneira de meus pais demonstrarem a que limites de crueldade poderia chegar o que eles chamaram de "preocupação com o futuro dos filhos". Mas o maior choque, mesmo, veio depois, quando eu e meus novos coleguinhas de infortúnio fomos informados de que ali, naquelas desconfortáveis carteiras, nós teríamos de passar os próximos 15 anos de nossa vida! Nunca pensei que o futuro pudesse ficar tão longe...
Meu pai bem que tentou me convencer de que haveria uma recompensa à altura para tanto sacrifício: a partir do momento em que eu botasse os pés na escola, ele disse, eu teria acesso privilegiado a informações importantíssimas - como, por exemplo, os nomes das capitanias hereditárias e de seus respectivos donatários -, sem as quais seriam mínimas as minhas chances de escapar às emboscadas do futuro.
Para minha surpresa, nem três meses se passaram e eu já dominava duas habilidades que me seriam de grande utilidade pela vida afora: ler e escrever. Foi aí que eu comecei a desconfiar que todas as outras picuinhas que compõem o dito "cabedal de conhecimento"...
1. Estariam disponíveis em algum lugar, desde que a gente soubesse ler.
2. Poderiam ser terceirizadas, desde que a gente pudesse pagar.
3. Não interessavam.
Convicto de que já sabia o suficiente, decidi voltar para casa e me dedicar a coisas de pertinente interesse, como passar o dia jogando bola e devorando salgadinhos. Ledo engano: meus pais ficaram uma arara (digo, duas araras) e me mandaram de volta. Tal reação intempestiva me levou a desconfiar que eles até já haviam feito um acordo secreto com as escolas, pelo qual eu ficaria enclausurado por mais 14 anos e 9 meses, tempo suficiente para a prática dos papai-e-mamãe matinais sem um enxerido como eu por perto.
Voltei a contragosto, mas, verdade seja dita, devo reconhecer que as escolas empregaram a nata de sua criatividade para conseguir me manter ocupado por tanto tempo. Foi o caso das aulas de português, que me davam a impressão de estar no pronto-socorro de um hospital: "Isso é um anacoluto ou uma catacrese? - a professora me perguntava. Eu sei lá, mas, por via das dúvidas, sugeria que ela amputasse a mesóclise para evitar uma cacofonia mais séria.
Matemática foi outra matéria que transmitiu ensinamentos vitais para minha futura carreira profissional, como a extração sem dor da raiz quadrada - Eu era meio ruim de conta, mas quando estava na terceira série, às voltas com uma tabuada e questões de crucial importância ("Joaquim tinha 18 bananas: deu um terço delas para Marta e metade da diferença para Beatriz..."), caiu-me nas mãos um prodígio tecnológico: a calculadora. Com ela, nunca mais os joaquins teriam dificuldades para repartir suas bananas - mas o que foi que a escola fez? Proibiu o uso das calculadoras na classe! Porque, por uma lógica pedagógica além da minha compreensão, se eu tivesse uma calculadora para facilitar minha vida, eu "ficaria preguiçoso, e isso iria prejudicar o meu futuro".
Apesar dos pesares, conclui minha formação básica e já estava para encarar uma "facu" - ou seja, faltavam apenas quatro anos para eu terminar de cumprir minha pena e ser solto no mercado de trabalho - quando fui informado de que, no futuro, nada era assim tão simples. Eu antes precisaria fazer um cursinho, porque as coisas que seriam perguntadas no vestibular não eram exatamente as que eu tinha aprendido nos 11 anos anteriores. Se entendi bem, nas universidades os joaquins precisavam desvendar os segredos da tábua de logaritmos para poder distribuir suas bananas. Se as bananas apodreceriam antes disso, o problema era dos joaquins, e não do sistema educacional.
Uma coisa que me chamou a atenção no curso, por assim dizer, superior, foi que lá fora, no mundo que estavam me preparando para conquistar, começou a proliferar uma engenhoca chamada microcomputador (com 16K de memória). Mas só lá fora, porque ali na "facu", eu desconfio o lobby dos fabricantes de lápis e canetas ainda era muito poderoso. Quando meu professor descobriu que eu estava fazendo um curso paralelo de Lotus 1-2-3, ele ficou possesso e, como castigo, me fez resumir, em duas páginas, toda a obra de Keynes. Que, acredito, foi um cara meio prolixo, já que precisou de 300 páginas para teorizar o que eu, aparentemente, era capaz de explicar em apenas 20 parágrafos.
Quando eu finalmente pensei que seria libertado, fui comunicado de que haveria uma extensão de minha pena, um troço chamado "pós", sem o qual eu não conseguiria desembarcar no futuro. A diferença entre a "pós" e o curso de graduação foi que na "pós" eu tive de dissertar sobre a obra de Keynes numa monografia de 500 páginas - o que significava que ele, além de prolixo, agora precisava de minha ajuda para explicar melhor seus conceitos econômicos.
A "pós" mudou meu status de neoprofissional do futuro, porque dali em diante eu estaria autorizado a apelidar meu período escolar de "background acadêmico", o que já me garantiu meu primeiro estágio. A empresa, uma potência, ávida por "inserir os novos talentos potenciais no ambiente participativo", me chamou para assistir uma reunião. Fiquei impressionado, porque o pessoal ali falava de coisas como "fisiologia da informatização plena" assim como quem pede um picolé de morango. E eu lá, quietinho...
Até que um diretor da empresa resolveu me "dar uma oportunidade para compartilhar a vasta teoria" que eu havia adquirido. Era a minha grande chance, mais cedo do que eu pensava, de pavimentar a estrada do meu futuro. Abri minha pasta, tirei a lista das capitanias hereditárias, uma coleção de anacolutos, a tábua de logaritmos, algumas raízes quadradas em bom estado e meu calhamaço keynesiano, e fiz aquela cara de quem havia acabado de conseguir o visto de residência permanente no futuro. E então o diretor da empresa me perguntou:
- "Você considera viável desenvolvermos um software que nos permita monitorar nosso footprint de logística integrada, ou seria melhor partimos para um network online de franquias comerciais setoriais?"
E eu, obviamente, do alto do meu insofismável cabedal, respondi sem hesitar:
- "Veja bem, vamos supor que Joaquim tenha 18 bananas..."
(Fonte: Revista da Web, São Paulo, a. 1, n. 6, p. 136-137, 2000.)
Rsrsrsrsrs... que sirva-nos a reflexão imbuída nesse texto...
Lendo-o e compartilhando-o, penso comigo: ‘É aí que sempre me refiro... ’ rsrsrs
BjOo grande, linda vida...
Nenhum comentário:
Postar um comentário